Coruja

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quinta-feira, 19 de outubro de 2017

A VIDA FRÁGIL E DELICADA NO CAMPO DE REFUGIADOS DA ÁFRICA


Durante quase seis anos,  meu tio Paulo jesuíta, trabalhou no Serviço Jesuíta aos Refugiados em Angola e, de 2008 até final de janeiro de 2011, ocupou a função de diretor nacional do Serviço Jesuíta aos Refugiados, em Angola. Entre os projetos que participou em Angola junto ao SJR está a Assistência Jurídica Gratuita aos Requerentes de Asilo e Refugiados, uma parceria com o Acnur e o governo angolano. O serviço destina-se àqueles que buscam proteção e refúgio legal e proporcionou uma experiência marcante para  para o meu tio.

Durante sua jornada, o irmão jesuíta , que é formado em Direito, ajudou a construir quatro escolas e viu de perto a luta pela sobrevivência em um dos países da África em que a guerra civil de 27 anos produziu muitos refugiados. 
O início da jornada
“Quando fui para Angola, em 2005, pedi para trabalhar no Serviço Jesuita aos Refugiados - SJR e sabia pouco sobre a África. Sabia que encontraria uma missão jesuítica que já implementava e desenvolvia alguns projetos, mas não imaginava como seria o desafio. Desde 1996, o Serviço Jesuíta aos Refugiados estava lá, ou seja, em plena guerra civil, se estabeleceu no país assim como outras organizações de ajuda humanitária. Inicialmente, protegendo a vida dos angolanos e buscando encontrar a melhor forma de estar junto com os mais fracos e necessitados. O SJR se mantém com uma equipe de colaboradores devidamente preprarados, entre eles a maioria já viveu a guerra de perto e hoje retribui com suas vidas a outros africanos que buscam proteção e refúgio em Angola. Em 2002 veio a paz e milhares de Angolanos estavam deslocados internamente no seu país e inúmeros fora de Angola. 
Com a paz, em 2002, iniciou o processo de regresso dos angolanos e, lentamente, alguns retornaram, mas tinham medo de que a paz não fosse verdadeira e segura.
 Na época em que vivi no país, fizemos atividades de resolução de conflitos entre famílias para viverem a paz. Assim, iniciaram suas vidas nas condições e sofrimentos que carregaram no seu coraçao ferido. Ainda havia muitas pessoas que queriam vingar-se daqueles que tinham provocado a mortes de seus queridos e familiares. Convidamos e recomendamos estas pessoas a participarem de atividades de reconciliação. Era preciso procurar encontrar uma solução para perdoar o irmão africano e levar a vida adiante. Realizaram-se muitos seminários e formação com o enfoque perdoar-se mutuamente e reconstruir a sua vida com o que sobrou e viver em paz. A ideia era viver os últimos anos e deixar uma vida melhor para seus filhos e netos.
O desafio de construir escolas



        
“Quando cheguei, recebi a missão de construir quatro escolas na fronteira com a Zâmbia, destinados aos angolanos refugiados que regressaram da Zâmbia. Já havia outras em alguns locais, mas eram construções provissórias de paus e capim. A intenção da construção das quatro escolas era de os filhos e adultos apreendesem a lígua oficial o português. Pois, após tantos anos na Zâmbia, falavam inglês e suas líguas maternas, principalmente o luvale e o chocwe. Escolhemos o método de ensino  Dom Bosco dos Salesianos, que faz uma pessoa falar e aprender o português em três meses.
 A vida neste ambiente era frágil e delicada. Pois, tudo era quase mato, não havia luz elétrica, a água potável estava longe, os serviços de saúde precários e a malária atacava muitas pessoas - desta eu tambÉ

No início, tinha de apreender muito para entender um pouco da cultura local e africana. Era estranho chegar em uma comunidade e propor a construção de uma escola. As pessoas com tantas necessidades não queriam ajudar na construção. Por que em meio de tanta necessidade as pessoas estavam indispostas? Esta era uma pergunta que não saía da minha cabeça dia e noite. Foi quando certo dia uma senhora de mais idade, respeitada na comunidade e muito sábia, me explicou o motivo, e disse: Estamos cansados de construir escolas, pois a guerra sempre destrói tudo. Será que a paz é definitiva e a guerra não volta mais e podemos confiar e estabelecermos aqui nesta comunidade. Depois de mais algumas conversas, eles começaram a mostrar interesse, apoiar e ajudar com muito carinho, o que é próprio do africano. No local já tinham colegas do SJR que conseguiram comprar algum material de contrução, tal como cimento, blocos de barro secos ao sol, zinco. Com a ajuda local construímos as quatro escolas, que ficaram bonitas. Não sou construtor, mas tínhamos uma ideia de como fazê-las, morávamos numa casa no interior. Éramos bem acolhidos no local porque éramos pessoas que transmitíamos esperança e poderiam contar conosco, vivemos nas mesmas condições e riscos como eles. Além do mais, a nossa presença também simbolizava que a paz era verdadeira pelo fato de as pessoas estrangeiras estarem com eles em um local distante de tudo. Além disso, os meios de comunicação não existiam e as notícias e novidades eram transmitidas verbalmente. Éramos um sinal de que havia segurança e de paz.”
 
Campos de refugiados


“Em Angola não há campo de refugiados. Na verdade, é um dos poucos países da África que não os tem, entretanto, há alguns centros de acolhimento. O refugiado é uma pessoa que deixa seu país  for falta de proteção da sua e vida e busca desesperadamente um país que o acolhe e lhe proporciona proteção. Em Angola havia muitos deslocados internos no próprio país, não usufruindo da proteção internacional como os demais refugiados, e, sim, passando por sofrimentos muito piores, tais como fome, insegurança, ataques, mortes e todo tipo de violência e insegurança, usados principalmente para soldados na guerra civil. 
O leste do país, por exemplo, foi a região mais afetada pela guerra, e as pessoas fugiram para os países vizinhos ou então quem conseguia passar pelas minas e tantos outros obstáculos veio para a capital, Luanda, que cresceu muito e de forma irregular. 

No tempo da guerra civil cerca de 800 mil angolanos se refugiavam em outros países. Sem falar naqueles que fugiram de qualquer maneira e sem registros. De 2003 até 2007 haviam regressado 409.450 refugiados. Agora, em 2011, esta previsto o retorno de mais angolanos na condição de refugiado, sendo 111.589 da República Democrática do Congo, 2.653 deo Congo, 5.904 da Namíbia, 506 de Botswana, 16.267 da Zâmbia o que toliza um número de 137.919 para pessoas retornarem para seu país, Angola. Existem ainda muitos angolanos refugiados na Europa e nas Américas. Por exemplo, no Brasil existem 1.688 angolanos na condição de refugiado.
 Afinal, as pessoas começavam a derrubar o mato e a construir uma casinha qualquer. O africano sente e deseja muito encontrar a sua tradição, costumes, amigos e voltar para as origens, onde pais e seus antepassados viviam. Eles queriam voltar para essa terra. Nem sempre era possível localizar o lugar e, às vezes, o local já estava ocupado por outras pessoas. Devemos sempre ter em mente como fica um lugar abandonado por mais de 30 anos, com guerra e destruição.
Conflitos constantes


“Enterrávamos refugiados falecidos e ajudávamos muitas pessoas doentes, sem remédio. Muitos imploravam ao Serviço Jesuíta aos Refugiados e outras organizações, igrejas por auxílio, para serem levados ao hospital e tantas outras necessidades. Sem falar que a malária e outras doenças tropicais são constantes na região, e mães e crianças morriam com freqüência.
Outra questão era o fato de a Angola, mesmo tendo milhares de refugiados e deslocados internos, ao mesmo tempo ainda recebia pessoas na mesma condição, principalmente da Ruanda, Costa do Marfim, Sera Leoa e dos Congos. Muitos entraram pela fronteira do país em plena guerra civil, se juntavam aos soldados que lutavam. A intenção única era sobreviver e chegar um dia na cidade de Luanda como um porto seguro e de esperança para reconstruir suas vidas.”

Angola tem atualmente aproximadamente 14 mil refugiados e 4 mil solicitantes de asilo. A maioria vem da República Democrática do Congo, seguido por Costa do Marfim, Congo-Brazzaville e outros países, como Chade, Ruanda, Burundi, Uganda, Serra Leoa, Guiné, Guiné-Bissau, Burkina Fasso, República Centro-Africana e Somália. Estas pessoas estão fugindo, principalmente, de conflitos políticos e étnicos e buscam Angola porque o país é signatário das Convenções Internacionais e, portanto, procura oferecer condições de proteção legal e solidariedade. São estas pessoas a quem dedicamos o nosso trabalho e aos seus filhos que nasceram em Angola e muitos na condição de apátridas. Mas se está buscando soluções para que estes deixam de ser apátridas e tenham uma nacionalidade e documentos.”
Busca pela paz

“Com a paz vieram as oportunidades, as empresas internacionais de reconstrução se instalaram, e a esperança por dias melhores se fez sentir. Hoje o mercado informal mobiliza a população que tenta sobreviver em um país rico em petróleo e diamantes e que necessita criar urgentemente políticas justas para evitar poucos ricos e muitos pobres. 

O projeto de assistência jurídica gratuita que implantamos também ajudou a população e trouxe mudanças, porque buscamos uma forma de barrar as prisões de refugiados, dar formação aos refugiados e autoridades, lutamos por uma vida mais digna, exigimos que as Convenções Internacionais das quais Angola faz parte fossem cumpridas e igualmente as leis nacionais.
Às vezes eu não sabia qual técnica usar, não pensava mais na advocacia, mas em que forma poderíamos fazer o trabalho para ajudar as pessoas. Tivemos de lidar com pessoas problemáticas e aprender a convencê-las, mudar de opinião e atitudes. Graças a Deus, nossa equipe era unida, corajosa, otimista e motivada em princípios, valores e na missão do SJR de acompanhar, servir e defender os refugiados e requerentes de asilo em qualquer circunstância ou condição.”
Curiosidades
Angola tem uma população aproximada a 15 milhões e mais de 50% têm menos de 20 anos de idade. A expectativa de vida gira em torno de 38 anos para o homem e 44 anos para a mulher. No continente africano a Angola é o segundo produtor de petróleo, quarto em diamantes. A agricultura é primitiva e necessita ser desenvolvida, a população vive com 1 dólar americano por dia. É no mundo o segundo em mortalidade infantil. O sistema político é presidencialista, e o atual presidente está no cargo 32 anos. Desde 2002 o país iniciou a reconstrução em todos os sentidos, tais como vidas e infra-estruturas. Atualmente o custo de vida é muito elevado devido à importação da maioria dos produtos alimentícios. Muito deve ser feito por lá, e a qualidade de vida está melhorando com possibilidades de ser ótimo país de referência no continente africano.

REFUGIADOS DA ÁFRICA

 Na Interdisciplina  Étnico- Raciais  na Educação; História e Sociologia fomos  convidados a construir um  vídeo sobre questões Étnico - Raciais e Diversidade na Educação. 
São temas bastante polêmicos  e alguns não temos muitos conhecimentos como é o caso sobre os Refugiados  da África. 
Meu tio Paulo Welter morou 6 anos no campo do Refugiados  da África  com a missão de construir escolas. foram anos difíceis  tanto para nós da família quanto para ele,pois,  durante esse período seus pais aqui no Brasil  faleceram e também ficou doente várias vezes devido a situação precária que vivia.

“Não tem maior dor no mundo que a perda da sua terra natal”. A frase atribuída ao poeta grego Eurípides, ilustra bem o drama dos refugiados e imigrantes que precisam deixar o seu lugar para tentar a sorte de uma vida melhor em lugares por vezes desconhecidos e carregando consigo somente a esperança de sucesso nesse novo lugar.
 
Guerras, fome, falta de condições para uma vida digna. São algumas das causas que levam um número considerável de famílias a abrirem mão de viver em seus países ou cidades. No entanto, os rótulos dados a estas pessoas ainda são muito fortes e na há uma compreensão integral da situação delas.
 
foto“No mundo globalizado jamais será possível entender a existência de pessoas refugiadas. Falta globalizar o ser humano. Mas isso será muito difícil, uma vez que, nesse processo de globalização, faltam valores éticos necessários no relacionamento de respeito entre as pessoas. Parece-me ser muito difícil a globalização sem valores humanos e sem união entre as pessoas. Assim sendo, o “rótulo” continuará nas pessoas refugiadas, muitas vezes vistas e reconhecidas como sem valor, como a massa sobrante da sociedade”, afirma Paulo Welter (foto), diretor do JRS (Serviço Jesuíta de Refugiados) em entrevista concedida à IHU Online (Instituto Humanitas Unisinos).
 
Paulo Welter é graduado em Ciências Jurídicas pela Unisinos, assessor do projeto Pró-Haiti e de 2008 a 2011 foi diretor nacional do Serviço Jesuita aos Refugiados em Angola.
 
Desde 2010, o Brasil já recebeu, aproximadamente, 5 mil haitianos. Rosita Milesi, diretora do Instituto Migrações e Direitos Humanos, também em entrevista concedida à IHU Online, esclarece qual o perfil dos haitianos que chegam em terrtório nacional, “Em síntese, os haitianos, ao chegarem ao Brasil, tem apresentado pedido de refúgio, mas, sendo eles efetivamente imigrantes, a solução migratória concedida pelo Conselho Nacional de Imigração é a Residência Permanente por razões humanitárias”.
 
Ir. Rosita ainda aponta que a migração é uma característica natural da humanidade, “Os seres humanos sempre migraram no decorrer da história. No entanto, no começo do século XXI, as migrações são motivadas, como diria Bauman, sobretudo pela busca de inclusão biológica – a sobrevivência – e da inclusão social – a plena cidadania. O mundo moderno universalizou os direitos humanos, mas os negou a grande parte da população mundial”.
 
Ainda assim, é grande o número de haitianos que chegam ao país em busca de emprego. A cidade de Brasiléia, no Acre, recebeu cerca de 600 haitianos nesse mês Eles são enviados para outras regiões do país. Alguns já com empregadores interessados na mão-de-obra que eles podem oferecer.
 
Fonte: IHU Online

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

MULTICULTURALISMO A DIVERSIDADE

 O multiculturalismo é a valorização da diversidade cultural que busca eliminar preconceitos e estereótipos construídos historicamente, procurando formar uma sociedade alicerçada no respeito e dignidade do outro com suas diferenças. Portanto, é preciso pensar nas diferenças dentro de suas “diferenças”, e o multiculturalismo abre espaço para refletir a complexidade e as divergências classificatórias da atualidade. A proposta de uma educação voltada para a diversidade coloca a todos nós, educadores, o grande desafio de estar atentos às diferenças econômicas, sociais e raciais e de buscar o domínio de um saber crítico que permita interpretá-las.
Talvez pensar o multiculturalismo fosse um dos caminhos para combater os preconceitos e discriminações ligados à raça, ao gênero, às deficiências, à idade e à cultura, constituindo assim uma nova ideologia para uma sociedade como a nossa que é composta por diversas etnias, nas quais as marcas como cor da pele, modos de falar, diversidade religiosa, fazem a diferença em nossa sociedade. E essas marcas são definidoras de mobilidade e posição social na nossa sociedade.

A realidade que enfrentamos hoje é perversa. Olhamos crianças miseráveis perambulando pelas ruas das grandes cidades, vemos pela TV e jornais o sofrimento de crianças afegãs, meninas sendo prostituídas no Brasil e na Ásia e em outros países, massacres que transformam a segurança dos poderosos em insegurança para todos nós. Ninguém exige respostas para tantas desgraças, mas de todos nós exigem um comprometimento pessoal por uma humanidade mais justa e solidária. Curiosamente sempre estamos procurando um culpado por todos esses problemas. Além disso, podemos observar no nosso cotidiano flagrantes e atitudes preconceituosas nos atos, gestos e falas. E, como não poderia ser diferente, acontece o mesmo no ambiente escolar. Embora saibamos que seja impossível uma escola igual para todos, acreditamos que seja possível a construção de uma escola que reconheça que os alunos são diferentes, que possuem uma cultura diversa e que repense o currículo, a partir da realidade existente dentro de uma lógica de igualdade e de direitos sociais. Assim, podemos deduzir que a exclusão escolar não está relacionada somente com o fator econômico, ou seja, por ser um aluno de origem pobre, mas também pela sua origem étnico-racial.



Segue um vídeo sobre melhor entender o que é o Multiculturalismo 

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Laudo: o que é e para que serve

Vejam que interessante este texto da Revista Nova Escola

Como incluir um aluno sem laudo psicológico

TDAH, ansiedade, dislexia. Para além do diagnóstico, você pode ajudar todo mundo a aprender. 
Por: Pedro Annunciato
Foto: Ricardo Toscani
Na turma de 5º ano, havia um aluno que não lia nem escrevia. Será que ele tinha algum transtorno de aprendizagem? As pistas eram poucas. “Eu achava que ele nem era alfabetizado. Só copiava da lousa. Quando tentava produzir algo, errava a escrita. Ficava nervoso e jogava fora”, lembra Cinthia Vieira Brum, professora da EMEF Edson Luis Lima Souto, em Campinas (SP). Ela encarou esse desafio em 2010. Estava no início da carreira e não sabia muito bem como agir.
Começou pelo básico: prestou atenção ao menino. Depois de muito observar, notou que ele era, sim, capaz de produzir. O garoto sabia escrever alguns textos de memória. Cantigas, por exemplo. “Ao contrário do que me diziam, percebi que ele era alfabetizado!”, conta. Mas as dificuldades ainda a faziam pensar em transtorno. Haveria alguma doença bloqueando a escrita?
Uma colega de escola a fez refletir de forma diferente. A proposta era focar no potencial do menino e deixar de lado o suposto problema. Ana Flávia Buscariolo abriu sua sala para que Cinthia visse a atividade do texto livre: as crianças ficam diante do papel em branco e podem escrever o que quiserem – sem temas predeterminados, sem exigências e, principalmente, sem pressões.
Cinthia teve um estalo: será que, assim, o seu aluno que precisava de ajuda não conseguiria se soltar? No começo, foi difícil. O menino ainda resistia. Mas, com a ajuda de um colega, algo saiu. “Ele acabou escrevendo uma descrição do que estava acontecendo na sala. Esse momento foi muito importante”, conta Cinthia. Daí em diante, com essas e outras técnicas, como as leituras em roda, as produções foram melhorando e o garoto avançou. No fim do ano, era capaz de produzir texto de diversos gêneros.
Bem, você já deve ter percebido que, até agora, não se falou em diagnósticos, muito menos em laudos. O caso do aluno de Cinthia era uma questão emocional – um aluno que ficava muito nervoso ao ter de escrever no ambiente escolar. A solução não passou por remédios, mas pela observação atenta e o uso das estratégias pedagógicas mais adequadas. Claro que nem sempre é assim. Existem transtornos severos que precisam de medicação. Mas muitas situações que a escola poderia resolver pegam o atalho do consultório médico. O trajeto é conhecido: aparece um problema, a família é chamada, exige-se um diagnóstico e só depois começa a investigação pedagógica sobre o que fazer. E pode acontecer até de a constatação de uma doença ou transtorno desanimar a equipe em relação ao potencial do aluno.
Os quadros que compõem esta reportagem jogam com essa dualidade: nem tudo é doença. Quando uma criança não corresponde a certas expectativas de comportamento e aprendizagem, muitos professores e familiares se sentem angustiados e perdidos, esperando que a medicina dê alguma resposta. Ela tem um papel importantíssimo, mas nem tudo depende dela. E, independentemente de haver um diagnóstico definido, há sempre medidas que a escola pode adotar. Nas páginas seguintes, você vai conhecer algumas. Elas também podem favorecer mesmo quem não tem qualquer transtorno.
Laudo: o que é e para que serve
Num caso como o do aluno de Cinthia, era possível esperar um diagnóstico como dislexia, um transtorno que gera dificuldade na compreensão de leitura e no reconhecimento da associação de símbolos e fonemas. Nessas situações, a expectativa da escola é que um documento identifique um conjunto de sintomas e apresente uma saída adequada para o problema.
Esse documento é o laudo. Do ponto de vista legal, trata-se de um registro emitido por um médico especialista ou uma equipe multidisciplinar (formada por fonoaudiólogos, psiquiatras, psicólogos e psicopedagogos) que descreve o método de diagnóstico, as alterações observadas no paciente e a conclusão – geralmente, algum transtorno ou deficiência. O problema é descrito conforme os padrões da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, a famosa CID, estabelecida pela Organização Mundial da Saúde, que atribui um código para cada diagnóstico. No caso da dislexia, por exemplo, o laudo teria a CID 10 - R48. Junto, pode vir uma ou outra recomendação: sente o aluno na frente da sala, relativize os erros ortográficos, flexibilize o tempo de avaliação, por exemplo.
Alunos sem laudo não podem ser barrados. A resolução nº 4 do Ministério da Educação (MEC) sobre o Atendimento Educacional Especializado (AEE) garante que, no caso de estudantes com deficiência, não há necessidade de comprovação médica para matrícula. “Mas, na prática, muitas escolas e redes públicas pedem o documento para buscar recursos específicos e prever adaptações na metodologia. Isso é permitido pela lei, já que alguns equipamentos estão condicionados à apresentação do documento”, esclarece Simoni Lopes de Sousa, advogada especialista em direito educacional e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).
O diálogo truncado com a saúde
Atender casos que envolvam questões de saúde é uma tarefa desafiadora. Exige que atores distintos – a escola, a família e os profissionais da saúde – trabalhem de maneira articulada, o que nem sempre é fácil. Algumas escolas também produzem relatórios para ajudar no acompanhamento clínico. Mas, em geral, a relação entre profissionais da saúde e professores não é a ideal.
“O melhor seria que médicos, psicólogos e fonoaudiólogos mantivessem com os professores um diálogo próximo e constante. Mas são raras as visitas à escola. Então, o médico precisa fazer um acompanhamento a distância e contar com a família”, diz Erasmo Barbante Casella, chefe da Unidade de Neurologia do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas de São Paulo.
O problema maior é quando não há acordo sobre o que fazer. As polêmicas costumam surgir quando os médicos avançam sobre o terreno da Pedagogia. Alguns professores reclamam de receber indicações inadequadas. Maria da Paz Castro, consultora de inclusão com larga experiência em sala de aula, lembra de situações assim. “Já vi pedirem para colocar cobertores pesados sobre uma criança com síndrome de Down, para segurá-la no chão”, conta a docente.
Quando a situação chegar a esse ponto, se o médico, fonoaudiólogo ou psicólogo estiver disponível, vale buscar o diálogo para o acordo. E a família é sempre um parceiro indispensável. “É fundamental discutir o diagnóstico com os responsáveis e dar o encaminhamento”, diz Erasmo. Quando não for possível um consenso, Simoni recomenda que a escola tome o assunto em suas mãos e decida junto com a família. Segundo a especialista, vale se cercar de cuidados. “Converse com os pais sobre as razões pelas quais o professor se nega a cumprir a indicação médica. Registre em ata e faça cópias assinadas.”
Na sala de aula, foco no pedagógico
Para os professores, uma frustração comum é o fato de que o laudo, por si só, não resolve os problemas de aprendizagem. E vem a sensação de impotência. “Como a profissão é desvalorizada, o próprio docente se sente desautorizado a educar. É um equívoco”, defende Maria da Paz. “Esse é o âmbito sobre o qual ele tem o domínio, e isso não deve ser delegado ao médico e ao terapeuta”, diz.
Por isso, a especialista defende que o educador não precisa esperar o documento para pensar nas estratégias de sala de aula. Do ponto de vista pedagógico, o laudo compõe um conjunto maior de informações sobre a maneira como o aluno se porta em sala e como aprende. “O registro indica o tipo de tratamento a fazer, mas não ensina como alfabetizar, por exemplo. Ele ajuda a conhecer a criança um pouco melhor, mas não é e nem pode ser um currículo”, afirma Maria da Paz.
Então, o que fazer diante de um aluno que não tem o desempenho esperado ou se comporta de forma atípica? Na verdade, casos assim não exigem um estudo muito distinto do que é feito para qualquer outro estudante. A regra de ouro é prestar atenção individualmente. Depois, com base na observação atenta e no conhecimento didático da disciplina que você leciona, desenhar as estratégias para a aprendizagem.
Em primeiro lugar, é preciso compreender o que se passa com a criança. É fundamental se aproximar da família. Uma entrevista com os pais sobre o comportamento e a rotina do aluno pode ajudar a entender melhor o comportamento. Aqui, cabe muita sensibilidade: a família às vezes passa por um momento de dor e angústia quando se vê diante do diagnóstico – ou da possibilidade de diagnóstico – de um transtorno. Portanto, é preciso ter cautela ao recomendar, por exemplo, que procurem por um profissional da saúde. A equipe gestora pode e deve participar dessa conversa.
Um segundo passo se dá na sala de aula. Considere que cada um aprende em um ritmo e de um jeito diferente. Proponha atividades variadas e examine quais trazem melhores resultados. O aluno com dificuldade aprende melhor visualmente? Por meio de sons? Gosta de música? Aposte nos recursos que parecerem mais úteis e mantenha altas as expectativas sempre. “O laudo não deve ser usado para o professor facilitar as coisas para o estudante. Isso não vai ajudá-lo”, argumenta Heloísa de Oliveira Macedo, pesquisadora do grupo de Pesquisa, Pensamento e Linguagem da Faculdade de Educação da Unicamp e membro do Conselho de Fonoaudiologia da 2ª região de São Paulo.
O tema deve estar presente nas reuniões da equipe. O Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC), por exemplo, é uma boa oportunidade para montar e discutir com os colegas um relatório detalhado sobre a criança. No caso de pessoas com deficiência, o professor do AEE, em geral, faz um relatório descritivo, com falas e situações do aluno em sala. A precisão é importante: evite frases que dizem pouco, como “o aluno não obedece às ordens da professora”, e opte por descrições concretas, como “quando a docente pediu silêncio, o aluno respondeu com um xingamento”.
A leitura coletiva desses relatórios, feitos semanalmente ou a cada 15 dias, ajuda a buscar soluções e prepara os professores que receberão a criança. “O importante é se preocupar menos com o nome do transtorno ou o diagnóstico da deficiência e falar mais de prática pedagógica. A discussão tem que ser sobre o sujeito e a barreira que está impedindo a aprendizagem”, explica Meire Cavalcante, mestre em Educação inclusiva pela Unicamp. Com laudo ou sem laudo, há um aluno. E é o desenvolvimento dele que está em jogo.